"A RAPOSA E A CEGONHA"

08-12-2010 11:35

"VINGANÇA IMEDIATA"

"Para perdoar é necessário acrescentar às coisas novas significados, ou seja, ressignificá-las, compreender uma experiência de forma diferente. Para perdoar é preciso remodelar nossas atitudes, voltar nossa atenção para outro prisma do contexto e perguntar a nós mesmos: O que mais isto poderia significar?" - Hammed

"A RAPOSA E A CEGONHA"

A comadre raposa, apesar de mesquinha, tinha lá seus momentos de delicadeza. Num dos tais, convidou sua vizinha cegonha a partilhar da sua mesa.

O banquete foi pequeno e não muito refinado, pois a raposa vivia de maneira econômica. Um caldo ralo servido num prato raso foi oferecido à cegonha, cujo bico, muito duro e comprido, cada vez que tentava tomar a sopa, batia no fundo do prato, e ela nada conseguia beber. A raposa, esperta, aproveitou-se disso e lambeu a sopa toda.

Para se vingar, a cegonha convidou a raposa para jantar.

Na hora marcada, chegou à casa da anfitriã. Esta, com caprichoso afã, pedindo desculpas pelo transtorno, solicitou ajuda para tirar do forno a carne, cujo cheiro enchia o ar.

A raposa, gulosa, espiou o cozido: era carne moída - e a fome a apertar! Sentou-se depressa à mesa, esperando a comida chegar.

Nesse momento, a cegonha entrou na sala e colocou sobre a mesa uma vasilha de gargalo estreito e muito comprido. Lá dentro, estava a carne macia e cheirosa que seria o jantar.

Vocês já perceberam o que aconteceu? A cegonha, com seu bico fino e comprido, conseguiu comer toda a carne, enquanto que a raposa tentava enfiar lá dentro o focinho, sem sucesso. Pobre raposa! Quis dar uma de esperta e só o que conseguiu foi levar de volta sua barriga, roncando de tão vazia. Voltou em jejum para casa, envergonhada, com o rabo no meio das pernas e as orelhas baixas.

La Fontaine diz ao final desta fábula:

Embusteiros, é para vocês que eu escrevo; esperem sempre pelo troco. Quem planta, colhe.

VINGANÇA IMEDIATA

Conta antiga história que um homem foi condenado pelos cidadãos de sua aldeia a ser jogado no fundo de um poço abandonado e vazio. A população do vilarejo, que tinha sido desrespeitada e ofendida por ele durante muito tempo, decidiu tomar para si o encargo de julgar e punir aquele indivíduo.

Eles o jogaram nessa cisterna e começaram a lançar sobre o sentenciado uma enxurrada de insultos ríspidos, ao mesmo tempo que cuspiam nele. Outros tantos atiravam lama e lixo das ruas. Inesperadamente, surgiu um homem que lhe jogou raivosamente uma pedra.

Profundamente surpreso, ele olhou para cima e perguntou ao agressor:

"Eu reconheço todos os outros que me condenam e agridem, mas eu nem te conheço. Quem és tu para pensar que podes atirar pedras em mim?"

O atacante à beira do poço responde: "Sou aquele que arruinaste há vinte anos".

O condenado então perguntou: "Mas onde estiveste todo esse tempo? Durante todo esse tempo, retruca o homem, tenho carregado a pedra em meu coração. Agora que te encontrei, vulnerável e nesta miserável situação, resolvi colocar a pedra em minha mão".

Esta história caracteriza uma "vingança tardia ou retroativa" - são nódoas emocionais ou feridas da alma, mágoas guardadas em segredo durante anos a fio. No entanto, há variados tipos de atitudes vingativas: as empregadas contra os mais fortes são denominadas de loucuras; as lançadas contra os iguais são arriscadas; e as efetuadas contra os mais fracos são de extrema vilania.

Neste conto ocorreu uma "vingança tardia"; já na fábula da raposa e da cegonha aconteceu a "vingança imediata". A cegonha, com seu bico fino e comprido, conseguiu comer toda a carne, enquanto que a raposa tentava enfiar lá dentro o focinho, sem sucesso. Pobre raposa!

Provavelmente a cegonha tenha pensado: "Não há maior vingança do que aquela de poder vingar-se". Verdade seja dita: quem não retruca na hora certamente está meditando sobre como vai "dar o troco" ou "revidar o golpe". Cuidado com o homem que não rebate de imediato a afronta ou o ultraje!

Quantas vezes os seres humanos apresentam conduta idêntica à da cegonha e agem com um único objetivo: o revide. E, por conseqüência, não vivem como almejam viver nem se comportam de maneira racional; simplesmente reagem diante dos obstáculos e desafios da vida, utilizando a esperteza, a astúcia ou a armação para tirar desforra ou reparar a afronta que lhes fizeram.

Se uma pequena lasca de madeira, acidentalmente, introduzir-se em nossa pele e nos ferir, qual atitude devemos ter? Obviamente, removê-la o mais rapidamente possível. Por certo não nos convém deixá-la estagnada lá, causando dor e aflição até que infeccione e contamine todo o nosso organismo.

Da mesma maneira, o que é preciso fazer com as farpas venenosas da vingança e da desforra quando se instalarem em nossa casa mental? Deixá-las encravadas e observar a sua contaminação caminhar para um estágio cada vez mais avançado, trazendo um padecer cada vez maior? É claro que não!

Certamente, as farpas da vingança ou revide são mais difíceis de extrair do universo interior do que as farpas de espinho do cosmo orgânico.

Por outro lado, depende unicamente de nós analisá-las e transformá-las, antes que a "toxina do ódio" se dissemine por toda a casa mental. Aliás, nada ocorre fora; não é o mundo externo que se transforma. O que acontece é que, quando mudamos de níveis de consciência, alteramos a concepção sobre os atos e as atitudes que vivenciamos.

O melhor meio de conseguir isso não é se contrapor ou lançar acusações contra algo ou alguém que nos trapaceou ou nos desagradou, mas rever as próprias emoções que gravitam em nossa intimidade, discernindo-as, e, conseqüentemente, tentar vê-las pelo ponto de vista de outrem, por meio da empatia.

Entenda-se por empatia a capacidade de nos identificarmos com outra criatura; de nos tornarmos emocionalmente conscientes e compreeensivos com os atos dela, de ponderarmos quais sofrimentos ela carrega na alma. Além disso, procurar saber como aprendeu a agir no meio social, que nível de discernimento possui, qual a sua idade astral e outras tantas considerações.

Empatia envolve sensibilidade para percebermos a emocionalidade que levou o outro a agir daquela forma, para assim, podermos atenuar ou reduzir o "abalo íntimo" que sofremos diante de certas atitudes e atos alheios.

Para perdoar é necessário acrescentar às coisas novos significados, ou seja, ressignificá-las, compreender uma experiência de forma diferente. Para perdoar é preciso remodelar nossas atitudes, voltar nossa atenção para outro prisma do contexto e perguntar a nós mesmos: "O que mais isto poderia significar?"

Esse exercício nos mostra, incontestavelmente, o quanto pode ser valoroso para nossa evolução experenciar, mesmo de forma sucinta, aquilo que o outro viveu. Passaremos a entender com clareza que os indivíduos têm dificuldades semelhantes às nossas, e se nós estivéssemos em sua condição, situação ou posição evolutiva, talvez agíssemos do mesmo jeito. Essa postura de vida nos leva à solidariedade, a relacionamentos saudáveis e a uma convivência de fundo ético.

CONCEITOS-CHAVE

A - AÇÃO / REAÇÃO

Forças da mesma magnitude, mas opostas. A lei física da ressonância bem explica e elucida o significado da "lei de retorno"; a ressonância verifica-se tanto no sentido positivo como no negativo. O pensamento humano gera forças criativas; é um espelho que estabelece ligações sutis, em circuitos de causa e efeito, refletindo e assimilando os mais diversos tipos de raios mentais.

B - MÁGOA

Nódoas de desgosto que intensificam a infelicidade de modo diretamente proporcional às expectativas que criamos sobre nós e os outros. Se as criaturas não abrirem mão das fantasias e devaneios que nutriram na busca de coisas inacessíveis e impossíveis e continuarem reservando uma área muito grande em sua casa mental para esse desgosto, a mágoa se tornará cada vez maior e mais intensa e ganhará uma importância muito mais significativa do que o fato em si.

C - REVIDE

Ato ou efeito de polemizar, rebater, replicar uma crítica ou ofensa, ou também reação imediata e incisiva a um fato ou acontecimento.

A maior vantagem de perdoar é nos eximirmos dos desgastes energéticos e fatigantes do revide, das discussões, da raiva e da crítica. São essas emoções de melindre e ressentimento que, de forma inquestionável, fazem do perdão uma possibilidade benfazeja para qualquer pessoa que deseja viver em paz consigo mesma.

MORAL DA HISTÓRIA:

Assim como o fizer, assim o receberá. A vingança não diminui o mal sofrido e ocasiona freqüentemente males ainda maiores. Ela é uma pedra que se volta contra quem a atirou. No entanto, perdoar não significa ser permissível com o comportamento agressivo que viola valores e modos de pensar e agir de uma criatura. Perdoar dessa forma eliminaria uma função positiva, pois estimularia a repetição de atos ulltrajantes, perpetuando e potencializando um ciclo perverso de agressões e desrespeito. Perdoar é uma nova forma de ver a vida dentro e fora de nós. É paulatina modificação de nossas opiniões, idéias e conceitos acumulados, arquivados e catalogados tradicionalmente, como relíquias embalsamadas em nosso acervo mental, e que já podem ter perdido seu real significado nos dias atuais.

REFLEXÕES SOBRE ESTA FÁBULA E O EVANGELHO:

''Amar seus inimigos, não é, pois, ter para com eles uma afeição que não está na Natureza, porque o contato de um inimigo faz bater o coração de maneira bem diferente do de um amigo; é não ter contra eles nem ódio, nem rancor, nem desejo de vingança ( ... )" (ESE, cap 12, item 3, Boa Nova Editora)

"( ... ) Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede prudentes como as serpentes e mansos como as pombas." (Mateus, 10:16.)

"PODEMOS SER MAIS ASTUTOS QUE O OUTRO, NUNCA PORÉM MAIS QUE TODOS OS OUTROS." - LA ROCHEFOUCAULD.

HAMMED