"O CAVALO QUE QUIS SE VINGAR DO CERVO"

08-12-2010 11:45

O DIREITO DE IR E VIR

"Nunca devemos nos aliar a alguém com finalidade perversa e vingativa, pois a dependência criada nesse tipo de cumplicidade pode nos acarretar prejuízos de toda sorte, aprisionando-nos à tramóia por tempo indeterminado." Hammed

O CAVALO QUE QUIS SE VINGAR DO CERVO

O cavalo não era doméstico outrora.

Houve um tempo em que os homens se alimentavam só de frutos. Nessa época viviam nas florestas os cavalos, jumentos, burros, mulas, todos livres correndo pelos campos.

Não havia, como agora, arado, selas, selins, cadeirinhas, carruagens, arreios, nem também tantos banquetes, casamentos e festins.

Foi quando o cavalo teve uma discussão com um cervo extremamente lépido e, não havendo um modo de alcançá-la, foi, pois, o cavalo implorar o auxílio do homem.

O homem meteu-lhe um freio, nas costas uma sela e, saltando-lhe ao dorso, somente lhe deu descanso quando matou o infeliz cervo.

Isso feito, eis que o cavalo agradece ao benfeitor e diz-lhe:
- Obrigado! Agora te apeia e leva o que caçaste. Estou muito agradecido por tão distinto favor. Vou voltar à floresta, onde vivo. Adeus, adeus, meu senhor!

Não - respondeu-lhe o homem. - Não irás retomar, pois agora o teu lar será este aqui, junto comigo! Tu não padecerás de fome ou frio e terás uma manjedoura abarrotada de feno.

- De que vale a fortuna se a liberdade é perdida! Assim, viu-se o cavalo privado do maior bem desta vida. E quando volta, a estrebaria já estava construída.

Ali terminou seus dias sempre arrastando o grilhão. Não teria sido melhor que houvesse dado o perdão de tão leve ofensa ao pobre veado?

O mesquinho prazer de se vingar não compensou pagar o alto preço da perda do direito de ir e vir.

O DIREITO DE IR E VIR

Um dos grandes perigos da revanche ou da vingança é ficarmos presos ou subordinados a certas condições inalteráveis estabelecidas no ato vingativo. Falar ou agir sem pensar nas conseqüências é como disparar uma flecha sem apontar ou visualizar a direção.

"( . .) O cavalo teve uma discussão com um cervo extremamente lépido e, não havendo um modo de alcançá-lo, foi, pois, o cavalo implorar o auxílio do homem.

O homem, habilidoso para negociar com astúcia e inteligência, usou de artifícios para obter vantagens à custa do cavalo. Podemos ter uma idéia clara desse comportamento lendo os versos do salmista: ''A sua palavra era macia como manteiga, mas no seu coração havia guerra; as suas palavras eram mais brandas do que o azeite, todavia eram espadas desembainhadas". (Salmos, 55:21).

Os salmos são hinos sagrados por meio dos quais os hebreus costumavam louvar a Deus. O povo de Israel denominava esses cantos de salmos por serem cantados ao som de um instrumento a que os gregos davam o nome de saltério - do grego psaltêrion.

"( . .) o cavalo agradece ao benfeitor e diz-lhe: - Obrigado! Agora te apeia e leva o que caçaste. Estou muito agradecido por tão distinto favor. Vou voltar à floresta, onde vivo. Adeus, adeus, meu senhor!"

Se o procedimento do homem foi perspicaz, a conduta do cavalo foi de excessiva ingenuidade. Podemos conjecturar ou deduzir sobre esta atitude avaliando o sábio provérbio oriental: ''A palavra que tens dentro de ti é tua serva; aquela que deixas escapar é tua senhora".

É comum encontrarmos em sociedade indivíduos que, como o cavalo, falam e agem impensadamente e se esquecem de que a sua ingenuidade pode impedi-los de deslocar-se de um lugar a outro. O cárcere é uma janela aberta no muro negro da ingenuidade.

Podemos nos sentir aliviados momentaneamente em "tirar a desforra" vingando-se de alguém por aquilo que ele fez; entretanto, ninguém nos concedeu a prerrogativa de castigar pessoa alguma por qualquer coisa. "O mesquinho prazer de se vingar não compensou pagar o alto preço da perda do direito de ir e vir".

A propósito, nem mesmo a Vida Providencial reservou para si o direito de castigar ou condenar, mas, sim, o de aprimorar, educar, melhorar ou transformar a forma de agir dos seres humanos através das múltiplas experiências nas vidas sucessivas.

O ser consciente não quer subjugar outras criaturas; a lucidez mental está em discordância tanto com o autoritarismo quanto com a escravidão. O dominador é aquele que não sabe sentir-se indivíduo, a não ser em função de subjugar outro ser, o dominado.

A palavra é uma corrente de força que conduz sons e veicula sentimentos. Em virtude disso, quando falamos, mostramos aos outros, com toda a transparência, aquilo que realmente somos. O verbo é a veste do pensamento.

Verbalizando, começamos a atrair. Quem se vinga atira uma pedra que voltará sempre ao local de onde procedeu.

Não devemos permitir que nossa palavra corra adiante do pensamento; precisamos usá-la a nosso favor.

Da mesma forma que, sem luz física, não vemos o mundo e, como resultado, não verbalizamos bem a maneira pela qual algo se apresenta, sem luz íntima também não nos expressamos com prudência, não ponderamos as palavras antes de pronunciá-las.

A força das palavras atrai, gradativamente, todos aqueles que pensam da mesma forma e que passarão a formar um ambiente comum em redor de nós. O que proferimos cria para nós uma espécie de sina.

A palavra maledicência - do latim "maledicentia, ae" - significa ação de falar mal dos outros, difamação, intriga, palavra que denigre, comentário maldoso. Por extensão de sentido, podemos deduzir que maledicente não é apenas aquele que maldiz as pessoas, mas também o que maldiz a si mesmo. Usar a palavra contra nós mesmos é quando damos a ela um mau sentido ou nos utilizamos dela ingenuamente, sem reflexão, ponderação e critério.

A propósito, na fábula em estudo, o feitiço voltou-se contra o feiticeiro, a vingança recaiu sobre o vingador. Assim como ocorreu com o cavalo, muitos seres humanos, antes livres, por serem crédulos e simplórios, fizeram mau uso das palavras. Sem pensar nas conseqüências, encarceraram a si próprios nos grilhões do "arreio, freio, sela e estrebaria" - dívidas contraídas por um favor e/ou benefício recebido.

A parábola do semeador (Marcos, 4:14 a 20) possui uma exemplificação fantástica sobre a diversidade do uso da palavra: "Saiu o semeador a semear (palavras)". Palavras foram lançadas ao léu, a "beira do caminho"; plantadas em "lugares pedregosos"; disseminadas aos "cuidados do mundo"; espalhadas "entre os espinhos"; propagadas "a terrenos infrutíferos"; semeadas na "boa terra".

"( . .) foi, pois, o cavalo implorar auxílio ao homem. "

Uma só palavra dita no momento certo vale mais do que uma detalhada explanação que chega tarde demais. Podemos curar o ferimento que uma espada faz; no entanto, é irreparável o prejuízo que uma palavra provoca.

CONCEITOS-CHAVE

A - INGENUIDADE

Modo de ser de pessoas que agem movidas por sentimentos de inocência e pureza. O ingênuo só vê qualidades; nunca enxerga defeitos. Não se alcança a felicidade crendo com facilidade em qualquer pessoa ou coisa, ou mesmo deixando-se envolver por uma alegria presunçosa ou credulidade excessiva.

B - MALÍCIA

Aptidão ou inclinação que tem como raiz uma intenção maldosa; habilidade para ludibriar e depreciar por vias indiretas. Tendência para enganar e prejudicar os outros, utilizando a má índole; em outras palavras, capacidade de ver os outros com os "olhos da maldade".

C - IR E VIR

É um direito, uma conquista de indivíduos libertos, aqueles que fazem sua caminhada existencial sabendo que sua liberdade depende exclusivamente de sua auto-responsabilidade. O ser livre não precisa exercer poder ou domínio sobre as pessoas, uma vez que a liberdade é um sentimento oposto ao desejo de controle e posse. Os possessivos são aqueles que não conseguem ser reconhecidos por seus valores internos, a não ser quando dirigem e dominam os outros.

MORAL DA HISTÓRIA:

Somos nós quem escolhemos a nossa conduta. O condutor: portanto, somos sempre nós mesmos. Não deixemos que "os peregrinos da estrada" da vingança, do ódio e do orgulho nos seduzam e se hospedem em nosso domicilio íntimo. Qualquer que seja a circunstância em que estejamos vivendo lembremo-nos de que nosso mundo só diz respeito a nós próprios. Fiquemos alerta ao modo como os "peregrinos" se aproximam e provocam certas sensações: a expectativa através da promessa, a culpa através da insinuação, a ira através do ataque, o burburinho através da calúnia, a paixão através da sedução, a soberba através da adulação, o temor através da chantagem. Viver em paz requer constante vigilância, por isso, note bem como funciona a manobra oculta por eles empregada. Nunca devemos nos aliar a alguém com finalidade perversa e vingativa, pois a dependência criada nesse tipo de cumplicidade pode nos acarretar prejuízos de toda sorte, aprisionando-nos à tramóia por tempo indeterminado.

REFLEXÕES SOBRE ESTA FÁBULA E O EVANGELHO:

"( ... ) A vingança é uma inspiração tanto mais funesta quanto a falsidade e a baixeza são suas companheiras assíduas; com efeito, aquele que se entrega a essa fatal e cega paixão não se vinga quase nunca a céu aberto. ( ... )" (ESE, cap. 12, item 9, Boa Nova Editora)

"Porque pelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado". (Mateus, 12:37.)

"O QUE PARECE GENEROSIDADE MUITAS VEZES NADA MAIS É QUE AMBIÇÃO DISFARÇADA, QUE DESDENHA PEQUENOS INTERESSES PARA IR AOS GRANDES." - LA ROCHEFOUCAULD

HAMMED